terça-feira, 29 de setembro de 2009

A grande briga

- Você sabe que você não presta.

- Para quem tem princípios como os seus não presto mesmo.

- Tá esperando só se ver livre de mim. Para ter meu dinheiro, para me ver pelas costas.

- Só quero ter meu silêncio.

- Enquanto você estiver aqui vai me escutar. Escutar o que eu penso. Escutar que você está errada.

- Errada por ser igual à você? Errada por repetir seus erros? Eu não vou ser uma chance de você vencer as suas frustrações.

- Você se acha muito melhor que eu, mais esperta, mais sábia. Pois vai ver quando tiver a minha idade.

- Espero pelo menos ter minhas próprias frustrações.

sábado, 5 de setembro de 2009

Essa é de infância

Mais uma memória para se deliciar.


Brincava na areia. Uma areia nem limpa, nem suja. Acho que era uma areia mediana.
Estava mormaço. Minha pele ardia.

Brincava de fazer formas, apertar a areia nas mãos. Às vezes misturava água só para ter uma textura nova.

Não tinha talento, ao menos sei que escultora não fui, pois fazia formas disformes que ninguém sabia o que era. Ninguém via minha sala mobiliada, com sofá, poltrona e tv. Ninguém reparava na família feliz de tatuis que ali viviam. Ninguém precebia meu projeto de vida.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O corpo

Abrir os olhos
Vestir as roupas
Molhar os dedos
os cabelos

Cutucar as orelhas
Morder os lábios

Abrir as roupas
Molhar os olhos

Cutucar os cabelos
Vestir os lábios
Morder os dedos
as orelhas

Que falta faz um corpo com nomes
Afetos com verbos

domingo, 14 de junho de 2009

ida

Ai que vontade louca de escrever!

E de desdobrar assuntos! De criar teses e de defendê-las...

Ah, que vontade louca de escrever páginas e páginas, argumentar, contra-argumentar e concluir que estava errada. Começar tudo de novo e ir.

Quero ir levando as letras até deixar que elas me levem. E ir nelas assim como vou nos ventos, sons e cores. Chegar a lugar nenhum, mas tendo o prazer que cheguei via palavras, texto, prosa.

Mas como vou sem assunto? Sem regras para quebrar? Sem fatos para narrar ou contestar? Como escrever o que não me instiga?

domingo, 31 de maio de 2009

Um desconhecido

Um desconhecido me veio falar. Nada incomum, todos são desconhecidos.

Ele veio me abraçar, me felicitar. Veio fazer todas as coisas que, supostamente, eu fazia quando viva ao encontrar alguém.

Ele me reconheceu. Gritaria se eu conseguisse. Ele me reconheceu dos tempos de vida.

Me descreveu com detalhes. Tamanho, temperamento, cor dos olhos, tipo de casa, textura dos cabelos, número de filhos, maridos e vizinhos... Tudo.

Ao fim da conversa perguntei "e você?". E dele próprio, nada o próprio homem sabia.

Como posso acreditar em quem não lembra de si mesmo? Não tomei nota de mim.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nada como o ócio criativo

Olhar em volta não fazer nada e cultivar idéias. Dar voltas, ficar deitada. Brotar, brotar, brotar...Deixar tudo de inusitado vir a cabeça.

O ócio só tem sentido entre tempestades. Entre chegar cansada do trabalho e acordar atrasada pro mesmo.

Entre uma sexta badalada e um fim de domingo deprimente. Só existe o vago se existe o lotado.

Em momentos de puro ócio, o parado vira rotina, vira óbvio. Você não aproveita o que tem o tempo todo.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Vou me calar

ando falando demais

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sou uma escritora puritana. No sentido menos profissional do primeiro e mais senso comum do segundo. Aliás, acredito que o me sobra são os sensos comuns, não vejo sentido em trazer o que não teria com quem usar...

Enfim, escrevo leve. Sem palavras chocantes ou histórias picantes. A rima me deixa até mais fofa.

Não tenho histórias devassas cheias de intrigas conjugais e consaguíneas para contar. E mesmo que tivesse apenas uma: não me veio.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Barulho desse lado

É incrível como passo momentos de barulhos ensurdecedores. Não, a morte não é um spa tocando Enya.

Ouço tantas vozes, idiomas e, se não me engano, latidos e grunidos! Não tem hora marcada. Não atrapalha eventuais sonos porque não durmo, mas assustam.

Não entender suas aparições é o pior. As vezes estou concentrada, brincando com as minhas cores (eu tenho várias!) e começo a escutar coisas!

Já ouvi uma receita completa de bolinho de chuva, mas nunca vi ninguém cozinhando, comendo ou sentindo fome.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Ei!

Quem são vocês?

Quem são vocês que pensam que podem implantar dúvidas na minha morte? Já não bastam as minhas próprias, que eu trouxe e que crio?

Eu não indago a vida, a vida é tudo o que eu sei. Falar sobre ela é o que me acalma, é quando penduro e olho minhas certezas...

Indagar a vida. A vida é algo tão simples! Tão simples que até eu, uma morta perdida, entendo. Quisera eu quando viva ter as dúvidas de uma morta, ao menos teria as certezas da vida...

sexta-feira, 20 de março de 2009

A lógica de um blog póstumo

Eu andei pesquisando (não pergunte as fontes, não vou saber explicar) a lógica de um blog.

Os blogs dão muito mais importância para o que é dito por último. O que é dito na hora.

Oras, estou morta, não convivo com nenhum parâmetro de tempo. Os agoras são múltiplos e são muito importantes e sem importância ao mesmo tempo. Depende do meu humor.

Tenho todo tempo do não mundo para dizer o que quero, na ordem que quero, na ordem que lembro e consigo. Pensar que a primeira coisa que disse foi jogada no cantinho do esquecimento dói minha alma, porque foi uma vitória sem tamanho escrever minhas primeiras palavras.

Peço, imploro, que se alguém lê o que eu escrevo, leia outras coisas que já escrevi. Por favor, não siga ordem, faça uma escolha aleatória; assim como minha escolha de escrever é aleatória.

É o pedido de uma simples falecida que encontrou algum sentido em não viver .

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sucessão de perdas.

Sei que para uma morta eu pareço aficionada pela vida. Juro, andei perambulando por todos os cantos e não encontrei nada que seja melhor. Não digo melhor que a vida, mas melhor que escrever sobre ela. Aliás, melhor que escrever. E o que vem a minha cabeça para escrever nesse momento é a vida. Talvez seja porque é o ciclo que eu fechei, e mesmo que eu não leeeembre da MINHA vida, ressoa algo em mim da lógica de viver.

Essa lógica das perdas. Se perde a placenta para os médicos, os dentes para a fada, a ignorância para as letras, a paz para a adolescência, a virgindade para a paixão, a inocência para o mundo, a mãe e o pai para a morte, os filhos para a vida, os cabelos para o chão, a razão para a realidade, a saúde para a idade...

E por fim se perde ela, a própria vida. Ela que colocou você a prova de quantas coisas se estava disposto a perder.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

enterrada ou cremada?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Incômodo

Estava listando as coisas que me incomodam do lado de cá.
Perdi a lista.
Ela caiu em alguma fresta de nada com coisa nenhuma e foi parar não sei onde.

Não só perdi como esqueci. Só lembro de um grande incômodo.

A ausência de dor. A ausência de dor está me matando (eu sei, já estou morta, ha-ha).

Sinto falta daquela sensação de estar em pé a horas de salto alto.Andar por pedras portuguesas. Do prazer inenarrável que era chegar em casa, sentar e tirar os sapatos.

Da dor de cabeça por ter lido por muito tempo. Aquela dor, maravilhosa, de ver as letras sambando na sua vista quando elas nem estão mais lá. Quando você não sabe se leu uma Receita de pudim e uma Crítica a foucault, ou um Pudim de foucault e uma Receita a crítica.

Uma sensação que adoraria ter mais uma vez é aquela dor... Como é o nome? Que se tem todo mês? Cólica! Que falta incrível me faz uma cólica! Daquelas que você só consegue ficar deitada com uma bolsa quente na barriga.

Aqui eu não sinto nada. Nem uma topadinha no dedão que seja.Que pena.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Tive uma explosão de lembranças!

- Gostava de algodão doce.

-Não tinha um bom relacionamento com meu pai.

-Aprendi a cozinhar com 13 anos.

-Me tatuei escondida.

-Casei 4 vezes (não sei se deixei alguém viúvo, o tempo de casamento, ou se tive filhos)

-Passa-anel era uma das minhas brincadeiras prediletas.

-Pintei meu próprio quarto com corações muito feios.

-Tive uma poltrona muito confortável.

-Gostava de nadar.

-Achava que parecia demais com meu pai.

-Tinha medo do mar.

-Contava histórias.

-Comprei uma casa na praia.

-Quase não chorei quando minha mãe morreu.

-Entrei em depressão quando perdi meu pai.

-Dei de presente brinquedos feitos por mim mesma.

-Demorei para ter seios.

- Eu tinha medo da morte (Irônico, não?)

-Dei bolinhos de terra para os meninos que riscaram minha biscicleta.

-Fui a Disney.

- Chorei em algum show pop.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

As coisas por aqui

São bem marasmentas.

Não sei se sou eu que não estou adaptada, não entendi o mecanismo.

Às vezes estou em uns lugares cheio de gente.
Às vezes num lugares cheios de coisas.
Às vezes, nem parece ser um lugar.

Faz frio quando está muito claro. Calor nos dias escuros. E o contrário também. Não tem uma lógica. Simplesmente, acontecem.

Ainda não conheci ninguém que faça tanta questão de conversar como eu. Alguns não acham ruim me responder, outros ficam muito felizes. Mas, puxar assunto: ninguém.

Das poucas coisas que eu lembro é que eu achava que morta ia poder moldar as nuvens. Apertar. Deitar e rolar nelas. Como fazem com a neve. Não. Eu não vi nada que pareça uma nuvem.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Como eu morri

Acabei de descobrir: foi um ataque do coração.


Essa descoberta só me traz mais dúvidas.
Gente de qualquer idade morre de ataque de coração.
Talvez eu fosse gorda, mas tem muito magro que tem um pirepaque e cai duro.

Pode ter sido por causa de uma grande emoção também. Mas qual?
Foi um choque de felicidade ou de tristeza?

Nem sei qual eu prefiro, sabia?

Ter o último momento de vida como o mais esplendoroso de felicidade pode ser poético. Eu me senti o mais feliz que um corpo humano era capaz de suportar e morri. Bonito isso, ?
Mas pensando melhor, e quem me fez me sentir tão feliz? Vai se sentir péssimo, ?
"Eu só queria o bem dela!" vai lamentar.
"Só queria compartilhar minha alegria" iria dizer.

Não...Melhor não.

Morrer de tristeza pode ser melhor. Parei de sofrer. Algo me fazia tão mal e num segundo, pleft, não precisei mais lidar com aquilo!
uuunh...É meio covarde, não? Ir saindo de fininho, morrendo, deixar tudo na mão dos outros.
Ou pior, deixar a vitória na mão do desgraçado que me fez morrer!

Pensando melhor...Vou começar a torcer pra ter sido uma gorda sedentária

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Fiquei frustrada com isso.
Sinto que sempre admirei textos bem escritos.Não lembro, mas eu sinto. Sinto que nada pode ser melhor que um texto bem pontuado, com vírgulas belamente bem distribuídas...
Aí, justamente eu, esqueço o que é pontuação!

Espero não ter escrito muita coisa. Ou se escrevi, que não tenham sido grandiosas. Ou grandes.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Tenho a impressão que, por um breve momento, esqueci o que era pontuação.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

está acontecendo algo inédito tem pessoas vindo aqui puxar papo comigo me contam várias coisas que nunca ouvi antes e o estranho é que me perguntam várias coisas que obviamente eu não tenho a resposta será que eles me conheciam antes de eu chegar aqui essa gente falando comigo so me faz ter dúvidas e dúvida é uma coisa nova pra mim antes eu so sentia curiosidade

domingo, 4 de janeiro de 2009

Minha primeira memória

Eu estou tão animada por ter uma memória. Que eu poderia escrever um livro inteiro sobre ela. Cada capítulo seria uma nuance da história. Um foco. Um narrador vendo aquilo que vivi.

Lembrei de um dia estar na cozinha. Fazendo um prato que não sei o nome, mas era só pra mim. A quantidade era mínima.

Era tão habilidosa. Usava três tipos de faca diferentes. Três tipos. Não me machuquei com nenhuma delas.

E depois do prato estar pronto, eu não comi. O que é muito estranho para uma pessoa que fazia o seu próprio prato. Coloquei no forno e fui tomar banho.

Eu lembro da sensação de cada gota caindo. Eu lembro tão bem, que é como se eu estivesse tomando aquele banho agora. O primeiro jato era quente de embassar o banheiro todo, mas depois ficava uma água forte quase gelada, que arrancava todo suor que aquela cozinha deixou no meu corpo.

Demorou pouco tempo, acho. Não senti meus cabelos serem molhados.

Passei pelo espelho embassado. Fui incapaz de desembaçar pra ver meu rosto. Se eu soubesse que essa seria a minha primeira recordação depois de morta, passaria a palma molhada só pra não ter essa agonia de não lembrar do meu corpo.

Não lembro se comi, o que vesti e se tinha mais alguém na casa. Mas eu lembro. E sei que não é só minha imaginação. Não sei se a tinha, mas desse lado, ela é totalmente podada.
 
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